
Como você vê a questão da nacionalidade dos detentores das empresas de comunicação? Deve existir uma preocupação em relação à soberania e à cultura brasileiras e limites à entrada de capitais estrangeiros? Mais concretamente, existe o risco de as teles transnacionais, com seu enorme poder econômico, dominarem a comunicação no Brasil, futuramente?
BOLAÑO: Esta questão é absolutamente central e tem sido muito mal tratada no país. O primeiro passo para esclarecer adequadamente o problema é separar “cultura nacional” de “capital nacional”. Em outros setores econômicos, considerações a respeito da necessidade de introdução de tecnologias estrangeiras visando garantir as condições de reprodução ampliada do capital, com base num planejamento estatal visando o desenvolvimento industrial, a eliminação de gargalos, a substituição de importações, tudo legitima determinadas formas de articulação entre capital nacional e internacional, com metas de nacionalização progressiva visando reduzir a dependência externa. Esse tipo de consideração está presente, por exemplo, na insistência do Brasil na construção de uma fábrica de semicondutores durante as negociações sobre o sistema da TV digital terrestre. No campo da cultura, isso não vale. É certo que o povo brasileiro deve ter acesso a toda a cultura universal, mas quando se fala em entrada de bens culturais estrangeiros no país, o que está em jogo é a penetração da grande indústria cultural norte-americana. Aqui não se trata de internalização, mas de preservação, de defesa da cultura nacional brasileira, que é reconhecidamente uma das mais importantes do mundo em termos de diversidade, de capacidade de produção competitiva em nível internacional etc. O projeto cultural do regime militar pecava justamente por desconsiderar essa especificidade do campo cultural, preso que estava a uma ideologia (da segurança nacional), própria da Guerra Fria, que identificava os interesses norte-americanos aos nacionais.
Entrevista a César Bolaño, Máquina de Escrever